REFERENCIAÇÃO PARA A ESPECIALIDADE DE ESTOMATOLOGIA
Adaptado de: Redes de Referenciação Hospitalar em Estomatologia no SNS
(aprovada por despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde de 15 de novembro de 2017)
A Estomatologia é a especialidade médica, de diferenciação médico-cirúrgica, que se dedica à investigação, estudo, diagnóstico, profilaxia e tratamento da patologia que afeta não apenas o sistema estomatognático, mas todas as estruturas da boca e anexos, integrando-a na patologia sistémica. Inclui as anomalias do crescimento facial e as dismorfias orofaciais, bem como as alterações funcionais ou patológicas, orais e maxilares, odontogénicas e não odontogénicas, de origem inflamatória, infeciosa, traumática, genética ou tumoral. Abrange ainda as doenças das glândulas salivares e das articulações temporo-mandibulares, bem como a patologia médica e cirúrgica da mucosa oral, constituam ou não manifestação de doenças sistémicas e sua iatrogenia.
A maioria dos serviços desenvolve atividade na área médica, na área cirúrgica e na área dentária e presta cuidados integrados, quer conservadores, quer invasivos, a doentes com multipatologia ou com necessidades especiais.
Os serviços hospitalares de Estomatologia confrontam-se com uma elevada necessidade de assistência dentária à população, desenvolvendo por essa razão, relevante atividade do foro meramente odontológico.
A maior parte da população é referenciada a partir de outras especialidades hospitalares. Não havendo, no exterior, acesso a cuidados dentários primários efetivos no SNS, a Estomatologia é assim procurada, direta e indiretamente, mesmo pelos que não encontram vantagem direta na logística hospitalar.
A referenciação e pedidos de apoio intra-hospitalar são feitos a partir das Consulta Externas, da Urgência e das Enfermarias e, esporadicamente, do Bloco Operatório, no sentido da rendibilização de tempos anestésicos.
A restante população tem origem quer na Medicina Geral e Familiar, quer a partir de entidades predominantemente públicas, com especial significado em pediatria. Entre as entidades públicas, contam-se os hospitais em que a Estomatologia não se encontra representada, pedindo apoio para os seus próprios doentes, externos ou internados e contam-se também os serviços de Estomatologia que não promovem alguns cuidados reabilitacionais, sobretudo na área das dismorfias e ortodôncia e da Pediatria.
É menos relevante o pedido de acesso por mera iniciativa de cidadãos que procuram resolução e apoio a patologia oral e orofacial com menos onerosidade que a que encontram no exercício liberal. Existe, ainda, alguma consultoria para uma segunda opinião, na sequência de diagnósticos ou indicações terapêuticas díspares ou dadas por muito invasivas.
CÁRIE DENTÁRIA, DOENÇA PULPAR, DOENÇA PERIODONTAL ou outras alterações dentárias congénitas ou adquiridas
A Estomatologia intervém na prevenção e no tratamento destas patologias, de forma conservadora ou invasiva e lida especialmente com as respetivas complicações, maioritariamente em doentes com co-morbilidades, entre outras patologias, a patologia cardíaca, pulmonar e renal graves, diabetes mellitus descompensada, patologia auto-imune, discrasias sanguíneas, doentes transplantados ou propostos para transplante de órgão, doentes imunossuprimidos, doentes com défice cognitivo, malformações crânio-faciais, síndromes polimalformativos, preparação prévia ou abordagem de doentes com neoplasias várias, propostos ou submetidos a tratamentos como radioterapia, quimioterapia, ou outras terapêuticas como fármacos biológicos ou bifosfonatos.
TRAUMATISMOS ALVÉOLO-DENTÁRIOS
Incluem os traumatismos dos tecidos duros dentários e da polpa, as lesões das estruturas periodontais e do osso alveolar de suporte, da gengiva e da mucosa oral, associando-se a maior ou menor atingimento dos lábios, mucosa jugal e tecidos subjacentes, da língua, do palato e das bases ósseas. São parte integrante dos traumatismos orofaciais mais extensos, com compromisso das bases ósseas e carecem de correção multidisciplinar em tempo útil, só passível de cuidados em regime de Urgência integrada.
COMPLICAÇÕES DA PATOLOGIA DENTÁRIA E INFECÇÃO ODONTOGÉNICA
A doença dentária, sobretudo a partir da necrose pulpar, pode acarretar complicações. Tendencialmente locais, como acontece com o granuloma e o quisto periodontal apical, estendem-se do simples abcesso alveolar agudo e respetiva osteíte, à osteomielite supurada aguda ou crónica, com ou sem periostite proliferativa, passando pela displasia óssea florida e pela osteíte condensante.
EDENTULISMO PARCIAL / TOTAL E SUA REABILITAÇÃO
A perda total ou parcial de dentes é tanto mais frequente quanto maior a idade e quanto menor o acesso a assistência dentária.
O edentulismo total atinge especialmente a população com mais de 65 anos, induzindo alterações funcionais, sobretudo mastigatórias e determinando seleção alimentar perversa, com agravamento dos estados carenciais da subnutrição do idoso. O compromisso da fala e estético agravam a perda de autoestima e acrescem ao isolamento social. No que toca à reabilitação oncológica mais extensa, a anaplastologia só encontra resposta no Serviço de Estomatologia do IPO de Lisboa.
PATOLOGIA DA MUCOSA ORAL / MEDICINA ORAL / CANCRO ORAL
A patologia da mucosa oral e tecidos subjacentes é um dos pilares da Estomatologia. Para além de constituir um espaço de referenciação a partir de outras especialidades, especialmente na vertente da doença reumatológica, autoimune e da infeciologia, implica o conhecimento da patologia sistémica e das suas repercussões na cavidade oral e estruturas anexas. Não existe especialidade hospitalar que se não debata com a procura de melhor orientação ou diagnóstico imediato de lesões nem sempre acompanhadas de outras manifestações evidentes. O próprio despiste e evicção do cancro oral passam pelo acompanhamento de lesões e parâmetros epidemiológicos que circunscrevem risco acrescido de malignidade, na fronteira do diagnóstico diferencial das lesões que atingem predominantemente o epitélio.
QUISTOS E TUMORES ODONTOGÉNICOS E NÃO ODONTOGÉNICOS
Lesões maxilares, entidades de diagnóstico diferencial constante na clínica estomatológica e na semiologia radiológica das estruturas oromaxilares. Dos processos proliferativos benignos maxilares aos tumores lato sensu que incluem as neoplasias de qualquer dos tecidos orais, que podem também ser sede de metástases.
PATOLOGIA MAXILAR
A maxila e a mandíbula podem também apresentar alterações que constituem ou não parte de doenças com atingimento multiorgânico. Umas são relevantes pelo compromisso esquelético global (osteogénese imperfeita, hiperostose cortical infantil) e graves repercussões no crescimento e desenvolvimento; outras, pela quase predileção pelos ossos da face (displasia fibrosa, querubismo) e outras ainda pela patologia sistémica de que decorrem (hiperparatiroidismo, raquitismo, osteomalácia). Juntem-se-lhes entidades como a doença de Paget e os focos de eritropoiese extra-medular e compreenda-se que o seu despiste é parte integrante do diagnóstico diferencial, clínico-radiológico, da clínica estomatológica.
ANOMALIAS DENTO-ALVEOLARES, DESARMONIAS DENTO-MAXILARES, MALFORMAÇÕES CRÂNIO-FACIAIS E SÍNDROMAS POLIMALFORMATIVOS
Podem integrar-se em anomalias morfológicas, craniofaciais e sindromáticas (Ex: fendas palatinas e fendas lábio-alvéolo-palatinas, complexo de Robin, Síndroma de Treacher-Collins), de diagnóstico precoce, podem dizer respeito a alterações funcionais que se estendem dos vícios posturais e hábitos deletérios às doenças neurológicas (Ex: paralisia cerebral) ou podem associar-se a doenças sistémicas com repercussão multiorgânica (Ex: mucopolissacaridoses).
Algumas anomalias são dimensionais ou posicionais, podendo afetar apenas o osso alveolar, mas com ónus social importante, alterações da fala e alimentares; outras comprometem as bases ósseas, carecendo de correção ortognática e outras, ainda, associam-se a maior incidência de patologia quística ou tumoral (Ex: Síndroma de Gorlin-Goltz).
A maioria decorre com má-oclusão, são especialmente relevantes em pediatria e a sua abordagem é transdisciplinar e hospitalar.
DISFUNÇÃO TEMPORO-MANDIBULAR E DOR FACIAL
A Disfunção Temporomandibular (DTM) pode atingir de 15 a 30% da população e pode manifestar-se por dor ligeira a intensa, limitação da abertura bucal, ressaltos e ruídos articulares. A sua abordagem, visando primordialmente eliminar a dor, pode ser conservadora (farmacoterapia, alteração de hábitos/postura, fisioterapia, uso de goteiras e manipulação articular) ou cirúrgica (artrocentese, artroscopia, artroplastia, discectomia, reconstrução aloplástica). É relevante o diagnóstico diferencial, sempre presente, com outros tipos de dor facial, associados ou não a patologia neurológica.
PATOLOGIA SALIVAR
A patologia salivar mais frequente é a do foro inflamatório e do foro infecioso, justificando frequente interlocução com internistas, pediatras, reumatologistas e radiologistas. Estende-se das alterações congénitas (agenesia, ectopia) à patologia tumoral, com predomínio claro do adenoma pleomórfico, passando pela sarcoidose, pelo Síndroma de Sjogren e pela mera doença obstrutiva, de origem litiásica. É muito frequente a consultoria por alterações funcionais (sialorreia / drooling), especialmente pela hiposialia iatrogénica dos antidepressivos e outros fármacos, a que acabam por associar-se alterações de outras estruturas orais. A sua abordagem é cada vez mais conservadora. A simples biopsia das glândulas salivares acessórias é um ato muito solicitado por generalistas.
PATOLOGIA DO SONO
É variada a patologia que cursa com alterações do aparelho estomatognático, designadamente a roncopatia, o Síndroma de resistência aumentada da via aérea superior (SRVAS), o Síndroma da apneia obstrutiva do sono (SAHOS) e as perturbações do movimento associadas ao sono, incluindo o Bruxismo do Sono e a Dor Orofacial.
A própria Pressão Aérea Positiva pode associar-se a dispositivos intraorais, permitindo aumentar o índice de adesão terapêutica e diminuir a pressão positiva corretora.
in Redes de Referenciação de Estomatologia do SNS, págs. 53-62.